Thursday, December 15, 2005

O caso Cingapura, por Rodrigo Constantino

Cingapura foi fundada como uma colônia britânica em 1819. Ela juntou-se à Federação da Malásia em 1963 mas se separou dois anos depois, tornando-se independente. Atualmente, é um dos países mais prósperos do mundo, em termos per capita. Boa parte desse sucesso deve-se ao elevado liberalismo econômico. O porto de Cingapura é um dos mais ocupados do mundo, e sua plena abertura comercial possibilita o constante progresso da nação.

Os recursos naturais do país são praticamente nulos, e a pesca é uma das poucas atividades que podem ser obtidas diretamente da natureza por lá. A população é de cerca de 4,4 milhões de habitantes, com expectativa de vida ao nascimento de 81,6 anos. Existem poucos analfabetos, uma boa mistura religiosa convivendo pacificamente, a grande diversidade de línguas faladas. A mortalidade infantil é muito baixa, em 2,29 mortes a cada mil nascimentos.

O país é conhecido pelo rigor de suas leis, que são baseadas no common law inglês. A economia é altamente desenvolvida, e calcada no livre mercado. O país ocupa a segunda posição no índice de liberdade econômica do Heritage Foundation. A economia é fortemente dependente das exportações, particularmente de eletrônicos e manufaturados. Durante a crise asiática, o crescimento sofreu um revés, mas já foi retomado em ritmo acelerado, acima de 8% em 2004. O país não tem agricultura, e cerca de um terço do Produto Interno Bruto vem da indústria, com o restante vindo de serviços. A taxa de desemprego é ínfima, um pouco acima dos 3% apenas. A renda per capita chega a quase US$30 mil, entre as maiores do mundo. Qual o segredo de Cingapura?

O governo de Cingapura é totalmente amigável aos negócios. O país participa de acordos de livre comércio com os Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e Japão, fora inúmeros outros em negociação. Segundo o Banco Mundial, a média ponderada das tarifas alfandegárias de Cingapura em 2003 estava em zero. A burocracia é muito reduzida, e há poucos casos de corrupção. A maior taxa de imposto sobre a renda é 22%, o mesmo valor dos impostos corporativos. Em 2003, segundo o Departamento de Estatísticas de Cingapura, os gastos públicos sobre o PIB ficaram em 17,1%. A intervenção estatal na economia é bastante reduzida. A política monetária é eficiente, e a inflação de 1994 a 2003 ficou em apenas 0,36% ao ano.

As leis para investimentos são claras e justas. Tanto investidores domésticos como estrangeiros são tratados da mesma maneira, e não existem requerimentos de parcela local nos produtos. Segundo a Economist Intelligence Unit , os investimentos privados estrangeiros foram a principal força por trás do rápido desenvolvimento econômico dos últimos 30 anos. No setor de manufaturados, por exemplo, os investimentos estrangeiros respondem por quase 80% do total. Não existe controle governamental sobre transferências monetárias ou repatriação de lucros.
Os preços e salários são determinados praticamente na íntegra pelo livre mercado, apesar do Ministério de Comércio e Indústria ter o poder para impor algum controle se necessário. Na prática, isso raramente ocorre, e atualmente, apenas o arroz e o porco estão sob o regime de controle de preços. Cingapura, tal como Hong Kong, não possui um salário mínimo.
A propriedade privada é totalmente protegida, sem ameaças de expropriação. Os contratos são seguros, e tanto o profissionalismo como a eficiência das agências são amplamente reconhecidos. As regulações são objetivas e simples, e o processo para a obtenção de licenças é rápido e transparente. Impostos, trabalho, regras de comércio, tudo em Cingapura é formulado levando-se em conta os interesses dos investidores estrangeiros e das empresas locais. A mentalidade marxista não tem vez alguma por lá!

Com tal postura, partindo de uma forte liberdade econômica, reduzida burocracia e intervenção estatal, Cingapura foi capaz de prosperar, mesmo sem recursos naturais. O país é visto como bastante transparente, e a corrupção não é um grave problema. O crescimento econômico tem sido elevado e sustentável, assim como a inflação tem sido mantida em patamares tranqüilos. A renda per capita é uma das maiores do mundo. Alguns tentam diminuir tal sucesso mencionando o tamanho do país, mas ignoram que Cuba e Haiti, para citar apenas dois, são bem pequenos mas ainda assim miseráveis. Não há como negar: Cingapura é um caso de sucesso! Tudo graças à liberdade econômica com império da lei.

A Transformação da Nova Zelândia, por Rodrigo Constantino

Existe vasta experiência empírica para corroborar com a lógica e eficácia das teorias liberais, e tenho dedicado alguns artigos ao tema. Os casos de sucesso de Hong Kong e Cingapura já refutam de cara vários dogmas esquerdistas. Mas como ideologias costumam cegar para os fatos, alguns discípulos de Marx ainda conseguem ignorar a estrondosa evidência do sucesso liberal, apelando para escusas como o tamanho desses lugares. Ora, mesmo que outros países pequenos, como Haiti ou Cuba, sejam completamente miseráveis justamente pelo forte afastamento da receita liberal, isso não parece ser suficiente para derrubar esse "argumento" desesperado de quem foge da verdade como o diabo foge da cruz. Portanto, decidi escrever algo sobre o caso da enorme transformação da Nova Zelândia, após uma série de reformas liberais. Tratando-se do mesmo país, outras variáveis ficam isoladas, como o tamanho da nação, sua cultura etc. Podemos, assim, verificar em detalhes as mudanças ocorridas como conseqüência do maior grau de liberdade econômica adotado.

As reformas que alteraram o rumo da Nova Zelândia começaram em 1984, paradoxalmente por um governo tido como de centro-esquerda. Como a cor do gato é menos importante do que o fato dele comer ou não o rato, veremos que as medidas tomadas pelo Partido Trabalhista tiveram forte cunho liberal, e por isso foram eficientes na captura do rato. Ocorreram privatizações, a intervenção estatal na economia foi bem reduzida, o welfare na indústria e agricultura foi cortado e ocorreu uma mudança de foco do imposto de renda para consumo. O governo chegou a propor, sem sucesso, um imposto flat de 21%. A economia experimentou um expressivo crescimento, de cerca de 4% ao ano por um longo período. Foi o maior crescimento de emprego entre todos os países da OECD.

Creio ser relevante voltarmos um pouco no tempo. A Nova Zelândia era um dos países mais ricos em termos per capita no começo do século XX. Foi após o governo populista e corporativista de Robert Muldoon que o país viu abrupto declínio de riqueza relativa. Políticas protecionistas e interventoras fizeram com que a Nova Zelândia fosse perdendo rapidamente posições no ranking para países mais liberais. Medidas claramente socialistas, como controle de preços e salários e elevado gasto público para comprar o apoio dos sindicatos, plantaram as sementes do fracasso. Em apenas 10 anos, a partir de 1974, a dívida externa subiu de 11% do PIB para 95%! A inflação estava em dois dígitos. Foi neste contexto que se deu a mudança de trajetória, rumo ao maior liberalismo econômico, que salvou o país.

Os reformadores foram influenciados por pensadores como Mancur Olson, Ronald Coase e James Buchanan. Os subsídios governamentais para indústria e agricultura caíram de 16% dos gastos públicos para apenas 4%. Desde a drástica redução nos subsídios agrícolas, o setor aumentou sua parcela no PIB, e o ganho de produtividade foi espetacular durante anos, acima de 6% ao ano por quase uma década! A reforma fiscal transformou a Nova Zelândia num dos países com a estrutura mais linear de impostos, e a maior taxa de imposto de renda caiu pela metade, de 66% para 33%. O mercado de trabalho foi liberalizado, e o desemprego caiu bastante. Atualmente, está em torno de 4%. O banco central teve autonomia operacional com mandato explícito para a estabilidade de preços, e a inflação foi controlada. O Ato de Responsabilidade Fiscal passou a exigir que o governo publicasse objetivos de longo prazo para indicadores-chave como gasto público, arrecadação fiscal e endividamento estatal. A Nova Zelândia experimentou oito anos consecutivos de superávit fiscal, uma verdadeira ruptura das décadas de déficit.

Atualmente, a Nova Zelândia ocupa a quinta posição no ranking de liberdade econômica do Heritage Foundation. A participação da agricultura ainda é relevante na produção nacional, e o setor emprega cerca de 10% da mão-de-obra total. Os subsídios agrícolas, entretanto, são os menores entre os países desenvolvidos. A economia é uma das mais desregulamentadas da OECD, e aproximadamente 95% das importações são duty-free. O ambiente econômico é transparente e competitivo, com reduzida burocracia. Como resultado disso tudo, a renda per capita cresceu vários anos seguidos, ultrapassando a marca dos US$20 mil.

A Nova Zelândia está longe de ser um paraíso liberal. O governo ainda gasta muito, e intervém mais que o necessário na economia. Faltam reformas ainda mais liberalizantes para que o país alcance um patamar de liberdade e riqueza como o de Hong Kong e Cingapura. Entretanto, analisar a experiência da Nova Zelândia é um exercício bem interessante, por mostrar os grandes avanços frutos da maior aproximação da receita liberal, curiosamente iniciada por um partido de esquerda. Atualmente, as conquistas econômicas, resultado do bom senso e respeito às leis de mercado, tornaram-se "vacas sagradas", e o debate político acaba focado em outros temas, como ocorre na Inglaterra desde Thatcher. Melhor para os 4 milhões de habitantes da Nova Zelândia, que agradecem essa boa transformação.

O articulista é Economista, autor dos livros "Prisioneiros da Liberdade" e "Estrela Cadente"