Saturday, November 12, 2005

Comunismo, por Roberto Campos - Parte II

Evolução
(trecho do discurso de posse de Roberto Campos na Academia Brasileira de Letras)

Nossas percepções do mundo [Dias Gomes e Roberto Campos], sempre antagônicas, se adoçaram nas refregas do mundo real. Dias Gomes, que se considerava um subversivo vocacional, aderiu ao Comunismo em 1945, e, sem ser um ativista ou fanático, nele permaneceu até 1971, desviando-se da linha do partido ao protestar em 1966 contra o mau tratamento dado aos escritores soviéticos. Custou a aceitar a morte da "ilusão", reconhecendo afinal a incompatibilidade básica entre sua vigorosa luta pela preservação da dignidade do ser humano e contra qualquer forma de intolerância, com as brutalidades do socialismo real e seu arsenal de expurgos, "gulags" e submissão das artes aos dogmas do PCUS. O comunismo se tornou mundialmente uma espécie de religião leiga, tendo o Kremlim, como o Vaticano, o "Das Kapital" por bíblia e a ditadura do proletariado como a "parousia".

Em novembro de 1996, em entrevista dada a Ana Madureira de Pinho, na "Revista de Domingo", do Jornal do Brasil, Dias Gomes declarou:

- Não sou comunista, porque o comunismo é uma utopia, nunca existiu em nenhum país do mundo comunista. Me considero um homem de esquerda, anti dogmático. Uma vez me defini para amigos: um "anarco-marxista-ecumênico-sensual" (esse jogo de palavras me faz lembrar a definição por Eliezer Batista, do sistema político de invasão de poderes criado pela Constituição de 1988: uma "surubocracia anarco-sindical").

E continuou:

- Sou um homem aberto hoje em dia. Muitas idéias foram reformuladas, mas continuo um homem de esquerda. Isso se você considera ser de esquerda somente sonhar com uma sociedade mais justa e mais liberta. Se o comunismo nunca existiu, tem razão o historiador francês ex-comunista Francois Furet, ao escrever seu monumental tratado do arrependimento: "Le passé d'une ilusion".
Essa ilusão custou ao mundo quase 100 milhões de vítimas. Das grandes ideologias mundiais não cristãs, o marxismo leninismo foi a mais sangrenta e mais curta - 72 anos. O islamismo está ainda em expansão e durou 14 séculos. O budismo e confucionismo sobrevivem há cerca de 24 ou 25 séculos.

Mas Dias Gomes exagera no seu réquiem do comunismo. No museu de obsoletismos políticos, sobrevivem dois espécimes: Cuba e Coréia do Norte. E curiosamente algumas universidades públicas brasileiras tornaram-se o último refúgio do profetismo e da vulgata marxista.

Dias Gomes, que se auto descreve como um "proibido precoce", teve peças censuradas ou proibidas pelos dois governos Vargas, por vários governos militares e até mesmo por Carlos Lacerda, como Governador da Guanabara. Confessa, entretanto, uma frustração:

- Não ter sido preso é uma falha na minha biografia que me envergonha, uma injusta lacuna. Por tudo que fiz, sem modéstia, eu acho que merecia uma honrosa cadeia (o Dia, 30/4/98).

Eu não tive necessidade de retratação porque nunca cedi a radicalismos nem de direita, nem de esquerda. Minha punição foi não passar de uma carreira pública medíocre, por insistir em dizer a verdade antes do tempo, pecado que a política não perdoa. Quando jovem, no início da II Guerra, parecia inevitável a vitória do Eixo sobre as "democracias decadentes". Mas eu respondia aos que assim profetizavam:

- Hitler é apenas um Napoleão que nasceu falando alemão, com a desvantagem de não ter feito nada comparável ao Código Napoleônico.

Também não me iludi com o totalitarismo de esquerda, por um raciocínio simples. Deus não é socialista. Criou os homens profundamente desiguais. Tudo que se pode fazer é administrar humanamente essa desigualdade, buscando igualar as oportunidades, sem impor resultados. De outra maneira, estaríamos brincando de Deus, ao tentarmos refabricar o homem. É o que tentaram fazer Marx e Lenin, com os resultados conhecidos: despotismo e empobrecimento. Isso me levou, ainda jovem, a acreditar que o sistema político ideal seria o capitalismo democrático, isto é, o casamento da democracia política com a economia de mercado. Parodiando Churchill, pode-se dizer que o capitalismo é o pior dos sistemas econômicos, exceto todos os outros; e a democracia é o pior sistema político, excetuado todos os outros.

Mas se não tive de recitar o "confiteor" por ter optado pelo sistema errado, fui obrigado a fazer retificações de rumo. Em minha juventude, acreditava no Estado planejador e motor do desenvolvimento. Curiosamente, meu desapontamento começou quando, como Ministro do Planejamento, visitei a União Soviética em 1965. Assustei-me com a presunção dos burocratas do Gosplan. Ignorando o consumidor, eles planejavam, com ridícula minúcia, a quantidade e a qualidade dos bens de consumo. Acabavam produzindo o que o consumidor não queria consumir. E verifiquei que o planejamento central já era ridicularizado na sabedoria das anedotas polulares.
Chiste corrente em Moscou, originário da rádio Yerevan, da capital da Armênia, dizia que uma professora pedira a um de seus alunos para conjugar o verbo "planejar". Mal começou o aluno a balbuciar "eu planejo, tu planejas, ele planeja …", a professora perguntou-lhe: "Que tempo do verbo é esse?" - Tempo perdido", respondeu o aluno.

Embrenhei-me depois na leitura dos liberais austríacos, como Von Mises e Hayek, convencendo-me de que planos de governo são "sonhos com data marcada". Antes, queria que o governo fosse um engenheiro social, modelando o desenvolvimento. Hoje rezo para que ele seja apenas um jardineiro, adubando o solo, extraindo ervas daninhas e deixando as plantas crescerem … E um samaritano competente, para cuidar do social.
(...)
Só há uma coisa errada com a palavra revolução. É a letra R.
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1 Comments:

Blogger Troveiro said...

Freqüentemente se analisa o nazismo separando sua vocação política, totalitária, da parte econômica, capitalista. No entanto, nas análises de países socialistas não se separa o regime político da forma econômica. Assim fica fácil tirar qualquer virtude de um planejamento ou intervenção estatal. Me defino como um democrata políticamente, mas não idolatro nem formas econômicas capitalistas nem socialistas. O que acho certo é que cada um faz de sua vida o que quer, porém, devido a desigualdades naturais ou históricas, cabe a algum órgão proporcionar maior eqüidade de oportunidades.

6:26 AM  

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